quarta-feira, 23 de maio de 2012

Troquei um enterro por uma corrida… e não me arrependi*

* Por Rodrigo Mattar


O que vou contar aqui agora é real. Aconteceu há exatos 30 anos. Nem um dia a mais na folhinha.

Era maio de 1982. Alguns dias depois do meu aniversário de onze anos, meu avô Ernâni, pai do meu pai, morreu. O funeral era no dia 23, um domingo. Dia de Grande Prêmio de Mônaco de Fórmula 1.

Meus pais, que à época ainda não estavam em vias de se separarem, decidiram de comum acordo não me levar ao Cemitério São João Batista, em Botafogo. Só que havia um detalhe: minha avó, que morava conosco, estava fora do Rio, viajando. Teria que ficar sozinho, trancado em casa. Que remédio…

Mas não me incomodei. Porque presenciei uma grande corrida naquela manhã triste para meu pai e seus outros quatro irmãos.

Uma corrida onde René Arnoux largou na ponta e disparou uma vantagem inalcançável pelos demais, até rodar sozinho, de forma tola com sua Renault, na 11ª volta de um total de 76.

Alain Prost, o compatriota que se tornaria desafeto, na época dividindo com Arnoux o mesmo teto da Régie, pegou a primeira posição e atrás dele, bem atrás dele, um trenzinho que não apitava, mas que vinha junto – Riccardo Patrese (Brabham), Didier Pironi (Ferrari), Andrea de Cesaris (Alfa Romeo), Michele Alboreto (Tyrrell) e Keke Rosberg (Williams). Depois, o finlandês trocou com o italiano e ganhou a 5ª colocação.

Lembro do folclórico Eliseo Salazar acionando, por engano ou por ruindade mesmo, o extintor de incêndio de sua ATS. De Nelson Piquet, que vinha lá por 11º quando desistiu. O campeão de 1981 não gostava mesmo daquela pista onde quase vencera no ano do seu primeiro título. E assim foi. A dez voltas da quadriculada, metade dos 20 pilotos que largaram já tinha abandonado.

Na 70ª volta, Alboreto vinha num sólido quinto posto e sua Tyrrell o deixou na mão. Àquela altura, já chovia. Não era uma chuva, era uma garoa fininha. Mas os pingos engrossavam em alguns pontos do circuito.

Aí, aconteceu…

Prost, que se preparava para colocar a enésima volta de vantagem na Arrows de Marc Surer, bateu.

Riccardo Patrese pegou a ponta. Perdeu o controle do carro no hairpin do Hotel Loews e rodou.

Didier Pironi passou pelo carro do italiano, foi para primeiro, abriu a última volta feliz e contente… e parou no túnel, sem gasolina.

Andrea de Cesaris também poderia ganhar, superar Pironi… e ficou sem combustível.

Derek Daly, que tiraria partido do caos, rodou no molhado e perdeu a asa traseira. Tentou seguir na pista escorregadia… e bateu de novo.

Sem saber do caos, Riccardo Patrese fez a última volta com o pé lá em cima, com todo o cuidado do mundo. E recebeu a bandeirada. Talvez achando, sei lá, que era terceiro ou segundo.

Só que o italiano deu de cara com Pironi em pé, no túnel. E o francês foi quem deu o veredito.

“Bravo, Patrese! Você venceu.”

E foi assim, do caos à glória, que Patrese subiu ao pódio no lugar mais alto pela primeira vez da vida e esse foi o dia em que eu troquei um enterro pela Fórmula 1. Sem nunca me arrepender disso.

Trinta anos depois, venho lhe pedir desculpas, vô Ernâni. Onde quer que o senhor esteja. Mas a paixão pelos carros falou mais alto…

2 comentários:

Fabricio Spada disse...

Que corrida histórica, mais histórica ainda pra quem trocou-a pelo enterro

Igor * @fizomeu disse...

que corrida histórica, mais histórica ainda para quem venceu!!!