segunda-feira, 16 de julho de 2012

Derrubem tudo de uma vez*

* Por Bruno Vicaria



Quando comecei a trabalhar com automobilismo, lá em 2001, já conhecia Interlagos. Adorava o templo da velocidade, o palco da Fórmula 1, mas tinha aquele desejo de conhecer uma pista em especial. Uma que estava no Super Monaco GP, que eu tinha lembrança de ter visto pela televisão por conta do cenário deslumbrante, do sol que torrava as cabeças, e das fotos características dos álbuns de figurinhas e revistas que existiam na época.

Mas de 2001 para a frente, só tive a chance de conhecer Jacarepaguá em 2008, quando da Corrida do Milhão. Pelo menos pude estar presente no último grande evento de verdade que aconteceu ali. Foram sete longos anos de espera, uma vez que, quando acompanhei o Renault Speed Show, em 2005/2006, a pista estava fechada. Quando pude pisar na pista carioca, ela já estava sem um pedaço.

A imagem daquele lugar lindo e vivo era forte na minha cabeça, mas, a cada passo, ela ia se desfazendo. Os boxes característicos, com suas coberturas em forma de arco, estavam lá. Por fora, uma bela viola, mas quando se entra nas garagens... Tanto nas de frente quanto nas de trás. Por serem os locais mais frequentemente usados, a coisa não era tão feia quanto nos locais administrativos, como as salas onde os organizadores dos eventos e a imprensa se alojam.

Estruturas danificadas, cupins, infestação de mosquitos, vidros quebrados, isopor ocupando os espaços do ar-condicionado, banheiros com aspecto sujo, azulejos amarelos, caixas de descarga (isso as que funcionam) com remendos à vista, vasos sem tampa, alguns com água escura, pois obviamente estão defeituosos. A parte de saneamento é, de longe, a mais delicada, a mais nojenta, o maior símbolo do descaso em qualquer lugar e o principal reflexo da saúde do circuito.

A torre de controle, outro "cartão postal" do circuito, também tem um aspecto de abandono total. Na parte de pista, os alambrados já estão todos enferrujados pela maresia, os muros infestados de trepadeiras, as arquibancadas todas descuidadas, a fachada caíndo aos pedaços, com grama alta e sinal dos tempos. Grama que só é cortada dentro da pista por motivos óbvios. Falo isso tudo no presente, pois, de lá para cá, nada mudou. Quando chove, então, muitas partes alagam.

Falei tudo isso no presente, pois, de lá para cá, nada mudou. Se mudou, pra melhor não foi. E só não destruíram o cenário de fundo (os belos morros que rodeiam o Rio de Janeiro), pois é inviável. Se desse para derrubá-los para a construção civil, pode ter certeza que isso aconteceria.

Vendo os telejornais locais, as materias que pontuaram a quinta-feira giravam em torno da destruição do Velódromo do Rio, construído para o Pan de 2007, mas fora dos padrões olímpicos. Por conta disso, tudo vai para o chão. Até aí OK, todos nós sabemos que é procedimento padrão construir as coisas para serem derrubadas e refeitas com o objetivo de superfaturar nas obras, mas o que me chamou a atenção foi outra coisa.

Em nenhum momento foi dito que, para ser construído o velódromo, parte do autódromo teve de ser aniquilada. Em três programas diferentes, ninguém se deu ao trabalho de falar isso. E, com a maior certeza, nenhuma pessoa que assistiu esses telejornais se lembrou que o velódromo foi erguido na parte Norte do circuito. Justamente pelo fato de que ninguém realmente faz questão de lembrar.

Isso tudo me fez notar que o autódromo de Jacarepaguá só importa para os poucos que gostam de automobilismo na região. A pista só fez parte do cartão postal do Rio quando a Fórmula 1 se prestava a correr lá. Depois que saiu, todo mundo voltou para suas praias e virou as costas para o local. A população, na verdade, defeca e caminha para a pista. Infelizmente, Jacarepaguá não é o Maracanã. Carioca não gosta de automobilismo e o esporte do momento não é outro. Prova disso foi a realização do UFC no HSBC Arena, construído, curiosamente, na curva Norte.

Por isso que ontem mudei minha opinião. Não vou mais pedir a preservação de Jacarepaguá, nem militar para que a pista sobrevive. Não sejamos hipócritas, a maioria dos cidadãos cariocas não têm interesse em preservar o seu patrimônio, a sua história. E nem sentirão falta do local.

É melhor acabar com tudo agora do que ver tudo definhando, acabando, como uma pessoa que tem uma morte lenta e dolorosa por conta de um câncer. E que você sabe que não tem como evitar.

A luta agora é para que o outro autódromo previsto para Deodoro saia do projeto e fique pronto logo. Mesmo que fique longe do belo cenário da Barra, dos morros e dos cartões postais da cidade, mesmo que fique no meio do nada, a quilômetros de distância da capital. O que importa é manter o automobilismo perto da segunda maior cidade do Brasil, mas longe o suficiente de locais onde possam derrubá-lo novamente.

Não gosto de ver ninguém sofrer sabendo que seus dias estão contados e que milagre nenhum vai acontecer. Como tudo o que fica nesta vida é a lembrança, prefiro quardar os milhares de momentos bons que aconteceram por aqui, e não esta imagem devastadora de hoje.

Acabem logo com isso.

PS: Quem gosta da pista de verdade tem um alento: Jacarepaguá já foi imortalizada em jogos e simuladores. As duas versões, a original, dos anos 80, em jogos como rFactor e GTR2, e a mutilada, no game da Stock Car.


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